Filha do líder seringueiro Chico Mendes vê cenário político da região como “desesperador” por predomínio bolsonarista
Quase 30 anos após o assassinato de Chico Mendes, a filha do líder seringueiro e sindical acredita que seu pai se surpreenderia negativamente com a forma com que a política acontece em parte da região amazônica.
Angela Mendes afirma que, hoje, principalmente nas regiões de fronteira, a floresta é dominada por uma “sinergia” que envolve o agronegócio, setores de igrejas neopentecostais e também facções de tráfico de drogas.
“Esses segmentos se uniram para fazer um trabalho que é a invasão de reservas, o loteamento de áreas, o assédio dos jovens no uso da droga…”, disse, em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (5).
Segundo ela, nas últimas décadas, a expansão do agronegócio para dentro da Amazônia encontrou como aliado alguns setores conservadores da igreja, que têm atuado conjuntamente para converter comunidades indígenas e ribeirinhas contra as ideias sindicalistas que propagava Chico Mendes.
“Não estou generalizando os evangélicos, mas comentando que algumas denominações religiosas estão fazendo um trabalho de desinformação e de desagregação dentro dos movimentos sociais de base.”
Em 1988, quando Chico Mendes foi assassinado no quintal da sua casa, em Xapuri (AC), o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhava força politicamente e, nos anos seguintes, emplacaria uma sequência de govenadores no estado, começando com Jorge Viana, em 1998, passando por Binho Marques (2007) e Tião Viana (2011).
A sucessão de petistas no poder foi rompida em 2018, quando o estado de Chico Mendes elegeu Gladson Cameli (PP), reeleito em 2022.
“A gente tem que levar em conta também o que aconteceu nesse cenário bolsonarista, nessa onda de fake news, que fez todo esse trabalho de semear desinformação nas redes sociais… Teve esse fator também para a perda de força política do PT no Acre”, explica Angela Mendes.
“Esses três segmentos [agronegócio, evangélicos conservadores e facções de droga] têm, de fato, uma sinergia, tornando o cenário muito complicado para a gente que está lá nas bases”, diz.
“São relações complexas, perigosas e interferem, sim, nessa conjuntura política, não só do Acre, mas da Amazônia como um todo.”
Confira a entrevista na íntegra
A senhora acredita que a crise climática vai pautar as eleições deste ano no Acre e na Amazônia como um todo?
Essa pauta climática, de todo jeito, precisa estar no projeto, no plano de campanha dos candidatos. Se não estiver, a gente tem que forçosamente pressionar para que esteja.
Porque, também, uma boa parte da população ainda não consegue conectar esses eventos climáticos com política pública.
Então acho que um papel muito importante é o de informar como essas coisas estão de fato conectadas, além de mobilizar e articular a sociedade, junto a esses candidatos.
De fato, a gente está tendo eventos muito críticos em toda Amazônia. Eu lembro que, no ano passado, eu participei do TEDx Amazônia, lá em Manaus, que estava em uma situação de incêndios, de queimadas muito graves.
E a gente não conseguia enxergar três metros à frente ao local em que estava ocorrendo a atividade. Eram as margens do rio Amazonas, que estavam em um cenário muito triste.
E não podemos pensar apenas nas eleições, precisamos pensar no pós-eleições também. Como é que a gente monitora? Como é que a gente acompanha essas ações, essas políticas?
Tão importante quanto a gente pensar nesse processo eleitoral, de provocar uma disputa qualificada entre candidatos que estão pensando nas questões climáticas, é ver o comportamento dessas pessoas após as eleições também.
A gente peca muito nisso, né? Quando a gente não acompanha, quando esquece quem foi o seu candidato. As pessoas já não lembram porque é um cenário complexo, em que os próprios políticos brasileiros tentam manter esse ciclo de desinformação, de fragilização e vulnerabilização da sociedade, para que as pessoas sempre estejam nesse período dispostas ou necessitadas a negociar seus votos.
O combate às mudanças climáticas deve ser atribuído exclusivamente às medidas do governo federal?
De jeito nenhum, inclusive, a gente precisa ter essa compreensão da nossa própria responsabilidade também. As nossas ações são muito importantes e falam muito sobre o que queremos.
A política local, a prefeitura, as câmaras de vereadores, são o que nós temos de mais próximos. A responsabilidade de um prefeito e de vereadores são tão grande quanto a do governo federal e do Congresso.
Você sente que o agronegócio tem influenciado nas eleições?
Ah, com certeza, porque o agronegócio investe muito recurso em seus representantes. É por isso que hoje a maior bancada é a bancada ruralista, então define eleições.
No Acre não é diferente. A gente tem que levar em conta também o que aconteceu nesse cenário bolsonarista, nessa onda de fake news, que fez todo esse trabalho de semear desinformação nas redes sociais… Teve esse fator também para a perda de força política do PT no Acre.
E, nesse ambiente que circula o agro, também têm circulado os evangélicos reacionários, os neopentecostais, que têm estado também nos territórios.
Não estou generalizando os evangélicos, mas comentando que algumas denominações religiosas estão fazendo um trabalho de desinformação, de desagregação dentro dos movimentos sociais de base.
Além disso, está a dominação das facções. Existe hoje uma relação que envolve os evangélicos, agronegócio e as facções criminosas, que estão instaladas em alguns lugares muito específicos, principalmente, agora, nas regiões de fronteira.
Esses segmentos estão unidos para fazer um trabalho que é a invasão de reservas, o loteamento de áreas, o assédio dos jovens no uso da droga…
As igrejas evangélicas também entram nesse contexto desmobilizando os movimentos. Esses três segmentos têm, de fato, uma sinergia, tornando o cenário muito complicado para a gente que está lá nas bases.
São relações complexas, perigosas e interferem sim, né, nessa conjuntura política, não só do Acre, mas da Amazônia como um todo.
A presença do presidente Lula no período eleitoral influenciaria no cenário eleitoral?
Eu acho que sim. Apesar de que o nosso cenário na Amazônia é desesperador. A gente só tem um governo que tem uma relação com a esquerda, que é o governo do Pará, que é um governador muito pragmático e não tem nenhum compromisso de verdade com pautas muito importantes, como a socioambiental.
Embora nesse período pré-COP [Conferência das Partes, o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima], ele venda uma imagem de governador verde, as populações de lá sabem que não é nada disso.
Mas eu acho que é importante o presidente Lula fazer essa rodada. Eu acho que traz mais uma animação, mais uma expectativa para a população.
Edição: Martina Medina