Do Pantanal à Amazônia, a destruição dos biomas brasileiros está em alta

As mudanças climáticas em conjunto com a impunidade dos incêndios criminosos geram a combinação perfeita para a destruição

O primeiro semestre de 2024 foi marcado pelo aumento da incidência do fogo nos biomas brasileiros, ameaçando a sobrevivência da biodiversidade e a vida de povos indígenas e populações tradicionais. O país apresentou o maior número de focos de calor para os primeiros meses do ano desde 2004, e nesse cenário, o Pantanal e a Amazônia tiveram destaque.

Historicamente, é esperado um alto índice de queimadas no Pantanal entre os meses de julho e outubro, porém, dados publicados pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA/UFRJ) apontaram que a evolução das áreas afetadas pelo fogo foram as maiores já registradas.

Os dados do sistema ALARMES (alertas em tempo quase-real) mostram que no período de 01 de janeiro a 30 de junho de 2024, as áreas afetadas pelo fogo em comparação aos anos anteriores tiveram um aumento significativo, considerado até agora um dos mais severos das últimas décadas. Nesse período, o fogo no bioma consumiu 695 mil hectares de vegetação, o equivalente a mais de 900 mil campos de futebol, ultrapassando em mais de 2,5 vezes os dados de 2020 para o mesmo período, que foram de 265 mil hectares de vegetação.

Vários fatores contribuem para este aumento: a região está mais seca, o que está intimamente relacionado às mudanças climáticas, já que parte da água do bioma vem da região Norte do país e também é produzida pela floresta. De acordo com o SPEI Global Drought Monitor (Monitor Global de Secas SPEI), a região do Pantanal está sob regime de seca persistente de intensidade extrema a moderada pelo menos nos últimos 12 meses, conforme Figura 1.

Condições de seca persistente na região do Pantanal nos últimos 12, 6, 3 e 1 meses de acordo com o SPEI Global Drought Monitor (Monitor Global de Secas SPEI. Fonte: LASA/UFRJ

Temperaturas recordes também foram registradas no mesmo período, contribuindo para a diminuição da chuva e deixando a vegetação do bioma mais seca. Segundo levantamento publicado pelo MapBiomas Águas, o Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo da série histórica que cobre o período entre 1985 e 2023. Em 2023, a maior planície interior úmida do planeta teve sua superfície de água anual de 382 mil hectares, ou seja, 61% abaixo da série histórica. Apenas 2,6% do bioma estava coberto por água. A rede também apontou que houve redução da área alagada e do tempo de permanência da água.

O Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo da série histórica. Fonte: MapBiomas Águas

Os rios não atingiram a cota de inundação e a maior planície interior úmida do planeta se tornou uma espécie de tocha gigante, pronta para ser queimada, já que o material orgânico seco deste bioma pantanoso é altamente inflamável. Todo esse cenário é mais favorável à incidência do fogo.

Outros fatores que contribuem para a situação crítica

O uso e ocupação do solo desgovernado na área do pantanal é um outro ponto que precisa ser discutido. A substituição da sua vegetação natural por gramíneas exóticas contribui de forma importante para que a dinâmica do fogo possa estar desenfreada. Vale lembrar que o pantanal, já alguns anos, vem passando por uma seca cíclica que pode ser explicada também, além dos fatores climáticos, pela destruição das principais áreas de nascentes que irrigam e enchem o bioma. As nascentes, que abastecem os rios, ficam justamente no Cerrado, que vem sofrendo a anos com o aumento do desmatamento, a falta de proteção e o desrespeito à legislação ambiental.

A melhor forma de combater o fogo é evitar que ele se alastre, forme grandes queimadas como estamos vendo acontecer e isso só é possível por meio de um planejamento sistemático para o bioma.

“O programa do PrevFogo faz um trabalho muito importante, só que é insuficiente para o tamanho do país e para o tamanho do desafio que temos agora nesta emergência climática. A greve dos agentes ambientais, na sua justa reivindicação sobre questões salariais, reestruturação do plano de carreira, aumento de pessoal e melhora de equipamentos, leva a certeza de quase impunidade de quem está agindo e colocando fogo no bioma. As queimadas não surgem de forma espontânea ou causada por raios, e sim pela ação humana como sua principal fonte de ignição”, afirma o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista.

Batista ainda ressalta que não adianta termos somente brigadistas em parte do ano. “Nós precisamos atuar fortemente na prevenção, no manejo integrado do fogo, criar verdadeiros batalhões de combate a queimadas e incêndios nos biomas de maneira estruturada, bem paga e com equipamentos para esse combate. O Brasil precisa investir em um esquadrão de combate ao fogo, com aviões de grande porte, para ter acesso aos locais difíceis dentro dos biomas como Pantanal e Amazônia.”

* O Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) é responsável pela política de prevenção e combate aos incêndios florestais em todo o território nacional, incluindo atividades relacionadas com campanhas educativas, treinamento e capacitação de produtores rurais e brigadistas, monitoramento e pesquisa.

Onde há fogo, há alguém que lucra enquanto a sociedade e a biodiversidade pagam a conta. 

Combine esses fatores ao avanço do agronegócio sobre o Pantanal, e temos hoje um cenário ainda mais grave que o de 2020. O fogo não começa sozinho, ele comumente se inicia em alguma fazenda, quando a queima de uma pastagem ou desmatamento sai do controle. Por outro lado, não há rigor por parte do governo federal para punir os responsáveis pelos incêndios criminosos.

Não adianta apenas multar quem incendeia o bioma, também é necessário fiscalizar se houve o pagamento da multa, o que não ocorre na maioria dos casos. É preciso acabar com o sentimento de impunidade que gera uma licença para desmatar e queimar nossos biomas para criar gado e plantar soja. Além disso, é necessário interromper com o financiamento de atividades que colocam em risco o meio ambiente, o clima, a saúde pública e a chance de sobrevivência de milhares de animais e plantas. A certeza da impunidade gera mais destruição!

Amazônia e Cerrado tiveram redução da área desmatada 

Dados do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), divulgados nesta quarta-feira (03), indicaram que os alertas de desmatamento no primeiro semestre deste ano chegaram ao menor patamar desde 2017 para a Amazônia. Foram destruídos 1.639 km² do bioma, a menor área desde os 1.332 km² de 2017 e uma queda de 38% com relação ao ano passado.

Outro bioma que é bastante afetado pelo agronegócio é o Cerrado. Os dados divulgados apontam que desde 2020 a destruição vinha crescendo no primeiro semestre, chegando a um recorde de 4.396 km² em 2023. Pela primeira vez em quatro anos esse índice caiu, para 3.724 km², uma redução de 15% em relação ao ano passado.

Cobre dos bancos ações mais rigorosas para quem desmata

É preciso fechar a torneirinha de dinheiro que financia a destruição dos nossos biomas e o crime ambiental. O uso do fogo criminoso deve ser responsabilizado com embargo da área, multa e impedimento de acesso a financiamentos, como o crédito rural.

No relatório “Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento”, o Greenpeace Brasil denuncia como a falta de controle adequado dos bancos na concessão de crédito rural beneficia produtores rurais envolvidos com desmatamento, grilagem e demais irregularidades socioambientais e cobra que o sistema financeiro estabeleça, entre outras ações, o monitoramento contínuo das áreas financiadas. O Banco do Brasil é um dos bancos mencionados no relatório, quem banca essas atividades também é responsável pelo problema.

Assine o abaixo-assinado para cobrar mudanças dos bancos

Ativistas protestam contra o financiamento do desmatamento em Brasília | Foto: © Tuane Fernandes / Greenpeace
Fonte: Greenpeace

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