Cali (Colômbia) – As duas semanas de negociações na 16a conferência das partes da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) trouxeram avanços políticos, mas a proteção da biodiversidade segue em alto risco. O dinheiro esperado não veio e entidades apontam o que seria uma excessiva influência do empresariado nos resultados do evento.
“A lua de mel do acordo histórico da COP15 para proteger e restaurar a natureza acabou. Agora viria o trabalho árduo de cumprir os compromissos assumidos”, lembrou Estrella Penunia, secretária-geral da Associação de Agricultores Asiáticos para o Desenvolvimento Rural Sustentável (AFA).
Os quase duzentos países reunidos validaram um novo fundo para partilhar benefícios pelo uso de sequências digitais de recursos genéticos em remédios e cosméticos. Agora, tem que ser detalhado como metade do dinheiro chegará a indígenas e comunidades locais, se diretamente ou via projetos de governos.
“Embora seja um avanço importante, as contribuições para o fundo são voluntárias e a responsabilidade agora recai sobre as empresas”, apontou Crystal Davis, diretora-global de Alimentos, Terra e Água do World Resources Institute (WRI).
Também reconheceram contribuições dos afrodescendentes e dos indígenas à conservação e criaram um grupo permanente de debates sobre o papel dos indígenas nessa agenda. Esses pontos eram defendidos especialmente por Colômbia e Brasil.
“Continuo pedindo a prestação de contas das empresas e dos países mais ricos que estão destruindo o planeta, para que canalizem recursos para as comunidades indígenas e afrodescendentes”, acrescentou Txai Suruí, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena.
Igualmente foram validados programas de trabalho para a biodiversidade marinha e costeira e para atuação conjunta em biodiversidade e clima. Ambos serão aprofundados na reunião do time de cientistas da CDB e estarão nas mesas das COPs da convenção do clima.
“A COP16 abriu uma janela para alinhar as agendas de clima e biodiversidade que não pode mais ser fechada”, avaliou Karla Maass, diretora da Climate Action Network (CAN) para a América Latina.
Ao mesmo tempo, citações ao impacto dos combustíveis fósseis na conservação foram excluídas das conclusões em Cali. “É lamentável que alguns países tenham removido as referências aos fósseis, a principal fonte global de emissões de gases de efeito estufa”, reclamou Gisela Hurtado, da campanha amazônica da ong Stand.Earth.
Ao mesmo tempo, serão atualizadas e priorizadas para proteção legal novas regiões oceânicas, incluindo zonas de reprodução e migração de variadas espécies. As metas de conservação pedem que ao menos 30% do oceano seja protegido até 2030. O índice hoje é de apenas 8%.
Até o final da COP16, ao todo 44 estratégias e planos nacionais de conservação revisados foram entregues. Outros 119 países apresentaram metas revisadas. Os números melhoraram desde o período anterior à conferência, mas ainda estão distantes dos 196 países ligados à CDB.
Outras decisões acabaram adiadas pela falta de quórum após quase 24 horas de debates desde a sexta-feira (1o), fazendo a presidente da Conferência, a ministra de Meio Ambiente colombiana, Susana Muhamad, suspender a plenária final. Isso pode jogar uma pá de cal nas metas globais de conservação acordadas há dois anos na COP15, em Montreal (Canadá).
“Se você visse a casa do seu vizinho pegando fogo, não esperaria até que ele chegasse à sua para agir”, disse o ministro do Meio Ambiente de Serra Leoa, Jiwoh Abdulai. “Então, por que a comunidade internacional está agindo com tanta falta de urgência quando se trata do incêndio global que enfrentamos atualmente com a perda da natureza?”, indagou.
Em 2022, os países prometeram ampliar para ao menos 30% a proteção legal em terras e oceano e injetar US$ 20 bilhões anuais até 2025 na proteção da biodiversidade. Contudo, até agora foram prometidos até US$ 407 milhões ao fundo que concentra esses recursos. Até o fim da década, o valor deveria somar US$ 200 bilhões.
“A COP não forneceu financiamento adicional nem deu confiança de que os governos trabalharão juntos para fornecê-lo de forma transparente e urgente. A biodiversidade é um bem público. É nossa maior defesa contra as mudanças climáticas, nossa fonte de alimentos, remédios, água, renda e identidade”, destacou Abdulai (Serra Leoa).
Também não avançou a meta de identificar e cortar financiamentos e outros subsídios a políticas, projetos e obras prejudiciais à natureza, em ao menos U$ 500 bilhões anuais até 2030. Esse capital nocivo à conservação é estimado hoje em US$ 2,6 trilhões ao ano.
Outras negociações adiadas foram de um novo fundo global para a biodiversidade – o atual é visto como burocrático e lento – e para reforçar o monitoramento das metas globais de conservação. Isso reduz as pressões sobre países que dão passos de formiga na proteção dos ambientes naturais.
As decisões adiadas em Cali terão uma nova chance em debates até a conferência de 2026, na Armênia. O país venceu a disputa com o Azerbaijão, palco da 29a COP da Convenção do Clima. Décadas de conflito entre ambas as nações forçaram uma inédita votação secreta na história da CDB, desde 1992.
Captura corporativa
A COP16 foi de recordes. Uma participação inigualável de indígenas e comunidades locais e 13,2 mil inscritos, incluindo mais de 3 mil de setores como bancos, petróleo e gás, seguros, energia, agrotóxicos, biotecnologia e madeiras. Havia quase 60 nomes de um coletivo industrial brasileiro.
“Todos estão aqui operando ‘nas sobras’ para debilitar um texto já bastante debilitado e forçando acordos voluntários para manter a biodiversidade mundial”, criticou Óscar Soria, diretor do The Common Initiative, grupo que reúne cientistas políticos e econômicos.
A entidade é uma das críticas ao que seria uma influência excessiva do setor privado nas decisões da conferência sobre biodiversidade.
O ativista lembrou que as empresas darão um tiro no pé caso sigam descuidando da biodiversidade, que responde por metade do PIB mundial. “As empresas começarão a ter grandes perdas econômicas”, alertou. “Mas querem matar possíveis avanços reais em conservação”, ressaltou Soria.
O repórter viajou a convite do IPAM.
Fonte: O ECO