O embaixador André Corrêa do Lago ressalta que protagonismo dos povos indígenas será “grande conquista” da conferência, e que florestas têm papel central no combate à mudança climática; ele afirmou ainda há tempo para soluções multilaterais e caminhos para ampliar financiamento. Acompanhe a entrevista completa:
ONU News (ON): Embaixador, gostaria que você começasse compartilhando um pouco o propósito da sua visita aqui nas Nações Unidas essa semana e a mensagem que o senhor traz.
André Corrêa do Lago (ACL): É a minha primeira viagem desde que eu fui nomeado presidente da COP pelo presidente Lula e eu estava querendo muito, antes de mais nada, vir aqui a Nova Iorque para estar nas Nações Unidas com alguns dos nossos principais interlocutores. Porque, naturalmente, a COP 30 é uma conferência das Nações Unidas e portanto, nós temos que estar muito bem coordenados com a estrutura das Nações Unidas, mas também com os países, há muitas perguntas, há várias direções que podem ser tomadas e eu vim sobretudo escutar, porque nós estamos a oito meses da conferência e nós ainda podemos e devemos ouvir muito alguns desses principais atores para a gente poder desenvolver a COP na direção mais construtiva possível.
ON: O senhor tem nas mãos uma grande responsabilidade, que é liderar a conferência climática mais importante do mundo, no momento em que os países estão bastante divididos sobre essa agenda, alguns inclusive deixando de priorizar. E, além disso, existe um descompasso entre a urgência declarada pelos cientistas e o ritmo das negociações dos países. Qual é a estratégia que o Brasil está desenhando para assegurar uma conferência bem sucedida, mesmo nesse cenário tão adverso?
ACL: Pois é, o cenário é complexo. Você tem toda a razão. Mas o que nós estamos procurando é assegurar que a conferência tenha uma capacidade de atingir objetivos em direções diferentes. Porque uma conferência como a COP, das dimensões da COP, além de reunir países para negociar documentos que tenham uma importância legal muito grande, é também uma ocasião de você trazer e reunir outros atores além dos próprios países. Então, que sejam governos subnacionais, que sejam empresas, que sejam setores, cientistas, acadêmicos e, naturalmente, a sociedade civil. Então, o que a gente tem que conseguir é que a gente obtenha resultados que sejam percebidos como relevantes por um imenso número de atores. Então é esse desafio, para nós, vale extremamente a pena esse ano, porque, como você disse, há grandes questionamentos com relação a essa agenda. E o Brasil está convencido que a melhor maneira de tratar esse assunto é fortalecendo o multilateralismo e aumentando o diálogo. Porque realmente eu acho que a dimensão científica já foi suficientemente absorvida pela maior parte da população e desses atores. Mas como avançar? Como transformar esses documentos que são assinados todos os anos em realidades que têm um impacto sobre o funcionamento dos países e sobre a vida das pessoas também.
ON: O Brasil assume a presidência da COP na sequência da presidência do G20, que é o bloco dos maiores emissores de gases do efeito estufa, por assim dizer, mas também o bloco dos países que tem o maior potencial de suprir a lacuna de financiamento, que hoje é o grande tema da pauta climática. Com base na experiência do ano passado de lidar diretamente com esse bloco. Qual é a avaliação realista do Brasil em relação a que compromissos é possível obter do G20 e que compromissos não são possíveis?
ACL: O G20 é um grupo informal. Você não tem ali uma estrutura como as Nações Unidas, mas é um grupo que tem grandes economias, mas muito desiguais, porque você tem as principais economias desenvolvidas e entre os países em desenvolvimento, você também tem metade da composição de países em desenvolvimento. Então, por mais que se possa realmente definir como provavelmente 80% das emissões mundiais são provocados por países do G20, nós temos que lembrar que há essa circunstância extremamente diferente de países que têm condições muito melhores do que outros de poder lutar contra a mudança do clima. Então, há uma dimensão financeira muito diferente entre esses países. Mas todos têm tecnologia, todos têm uma experiência muito importante. E quando o Brasil presidiu no ano passado. Nós procuramos justamente encontrar elementos que unam esses países e eu acho que aconteceram coisas muito positivas, inclusive de nós integrarmos, nós começarmos um esforço que deve continuar até a COP30 de integrar a questão do clima na economia mundial, nas finanças, nos investimentos, porque o clima agora está em toda parte. Quer dizer, todo mundo reconhece o impacto da mudança do clima sobre as economias de todos os países. Então, como nós podemos integrar o exemplo desses países mais avançados, desses países que têm mais condições é realmente uma grande referência. Agora como nós podemos transferir isso a caminho da COP 30, eu acho que vai ser o desafio dos próximos meses. Período inclusive em que o Brasil também está presidindo BRICS. Então, o Brasil tem essa sequência de presidências que nos dá, de certa forma, um mandato para nós procurarmos resultados mais sólidos quando nos reunirmos em Belém.
ON: Em relação a resultados sólidos, embaixador, um dos grandes desafios é justamente melhorar a meta financeira, que hoje está em 300 bilhões anuais para 1,3 trilhão. Por isso que eu pergunto também em relação ao G20, que negociações do ano passado, por exemplo, em relação a fontes inovadoras de financiamento, já abriram um certo caminho para tentar encontrar soluções para essa lacuna que ainda persiste do financiamento climático?
ACL: A lacuna é imensa. Você mesmo citou os números e a verdade é que nós não temos ainda uma fórmula para que permita assegurar que serão conseguidos esses recursos. Mas não há a menor dúvida de que existem os recursos no mundo e a questão é que eles estão geralmente dirigidos para investimentos que não tomam em consideração o impacto da mudança do clima. E eu acho que esse esforço, por exemplo, de você conseguir definir de que maneira um investimento, por exemplo, pode gerar certos problemas que depois exigiriam programas específicos para corrigir certos problemas. Eu acho que se nós incorporarmos nos projetos essa questão de como a mudança do clima já tem que estar sendo imaginada em qualquer projeto de longo prazo que um país faz de infraestrutura, então eu acredito que nós fizemos progressos significativos. Nós temos que ouvir muito economistas e outros especialistas que estão se dedicando a isso. Mas eu acredito que temos cada vez mais ótimos exemplos do quanto a incorporação do clima em investimentos tem resultados extremamente positivos no médio longo prazo.

ON: Embaixador, na COP de Dubai em 2023, o mundo assistiu uma decisão inédita sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Mas na conferência do ano passado, em Baku, houve um certo silêncio na declaração final sobre esse tema. A COP de Belém vai romper esse silêncio?
ACL: Não é que houve um silêncio… eu acho que a partir do momento que você tem um consenso, como você teve em Dubai sobre essa transição, que é difícil traduzir em português, porque não existe o verbo transicionar, mas no momento em que você tem esse acordo já está decidido. Ou seja, já é um consenso entre os países. Então, como é que nós podemos progredir nesse sentido. Eu acho que há uma convicção muito grande dos países de que cada país vai ter que ter um pouco a sua maneira de fazer essa transição de afastamento dos fósseis. Então, eu acho que é um exercício, por exemplo, que nós no Brasil, estamos fazendo. E que as soluções são muito específicas para países. Em caso de países grandes, como o Brasil, até regionais de regiões do país. Então, nós estamos fazendo esse exercício. Eu acho que a maioria dos países está fazendo esse exercício, então não dá para no ano seguinte você já começar a pensar que você tem que ter outra declaração sobre a questão. Temos que lembrar que o que é decidido numa COP ganha um status de aprovação por consenso, que todos os países do mundo concordaram com isso. Alguns países querem reiterar, alguns países querem repetir. A gente até entende, mas eu acho que o importante é a implementação, porque eu acho que é uma grande frustração no mundo em que às vezes você vê documentos sendo assinados nas Nações Unidas e depois de você, naquele furor de negociação, você já quer negociar uma outra coisa em vez de executar aquilo que foi assinado. Eu acho que a gente tem que se concentrar. A gente está muito nessa direção para Belém, do quanto é possível tornar realidade os documentos que nós estamos assinando. Então, eu acho que vai ser muito interessante conseguir reconquistar a confiança do mundo de que essas negociações não levam apenas a papéis e sim a coisas efetivas que mudam realmente a atitude do mundo com relação à mudança do clima.
ON: Muito interessante o senhor colocar dessa forma, mas em relação à eliminação dos combustíveis fósseis, muitos especialistas aqui apontaram que o que faltou de concreto seria um cronograma, não uma reiteração necessariamente, mas um cronograma mais concreto pra implementação dessa decisão. Tem algo em mente nesse sentido no Brasil de avançar nessa direção?
ACL: Sim, eu acho que muito claramente isso você pode colocar dentro da lógica das NDCs. Então, todos os países esse ano estão apresentando seus planos de como eles vão reduzir emissões até 2035. Então, por exemplo, o Brasil apresentou sua NDC já em Baku, em novembro, e na NDC brasileira você já vê como você vai reduzir a dependência de fósseis. Agora, você não pode ser muito restritivo em considerações gerais, porque realmente os as opções têm que ser feitas pelos países. A soberania dos países de como eles vão fazer essa transição tem que ser preservada. Mas eu acho que você tem que dar, isso sim, um grande apoio aos países, tanto tecnológico como de treinamento, como de recursos financeiros, para que isso possa acontecer sem ter um impacto negativo, por exemplo, na dimensão social. Você viu o quanto está acontecendo, por exemplo, em vários países da Europa, que as populações estão insatisfeitas porque aumentou o custo da eletricidade, por exemplo, se tem uma consequência sobre a eleição. Então todos esses elementos têm que ser feitos de maneira muito gradual, mas evidente. Eu acredito profundamente na emergência de que nós estamos vivendo. Já aconteceram coisas terríveis. Há uma urgência climática de um modo geral no mundo. Portanto, o que nós precisamos é um ritmo que seja proporcional aos acontecimentos climáticos que, por exemplo, nós vimos no Brasil no ano passado, que foram terríveis.
ACL: Embaixador, nós temos conversado inclusive sobre esses acontecimentos com lideranças indígenas que afirmam muitas vezes que não se sentem devidamente escutadas. O senhor tem recebido diversas demandas dos povos indígenas. No ano passado, inclusive, o senhor declarou que nessa COP eles terão um papel que eles nunca tiveram em edições anteriores. Então, gostaria que o senhor explicasse como é que esse protagonismo vai se refletir em dois temas que eles têm colocado como prioridades, que são os fundos chegando diretamente para os povos indígenas e a proteção dos territórios que eles ocupam.
ACL: Esse tema é extremamente importante, ainda mais no Brasil que, como você sabe, por mais que nós tenhamos grandes desafios, nós conseguimos ainda manter no Brasil, inclusive, provavelmente o maior número de populações indígenas isolados do mundo. Então nós temos algo de extraordinariamente precioso em que nós temos que preservar. E eu acho que a participação dos indígenas do Brasil é, antes de mais nada, uma coisa natural. E segundo, porque a mudança do clima também revelou o quanto as populações indígenas souberam conviver com a natureza durante todos esses milênios e conseguiram preservar o seu modo de vida e também a natureza. Então nós temos que ouvir muito mais os povos indígenas. Nós estamos estruturando, inclusive, muita coordenação com a ministra Guajajara, onde nós temos uma participação intensa durante toda a preparação da COP30 de indígenas brasileiros, mas também de grupos internacionais que as Nações Unidas organizam e que são muito, o Calculus, por exemplo, que já tem estruturas para isso. Mas nós queremos fortalecer isso. E há uma necessidade muito grande, eu acho, de nós aceitarmos que os povos indígenas têm que ter opinião não só sobre aquilo que toca os povos indígenas, mas sobre a própria maneira como o mundo está evoluindo. Então, eu acho que essa escuta dos povos indígenas vai ser uma das grandes conquistas dessa Cop.

ON: O senhor acredita que isso possa resultar em mais financiamento, um aumento de financiamento direto para esses grupos?
ACL: Eu espero que sim. Eu espero que sim. E eu espero também justamente que a avaliação de que isso progrediu venha deles também.
ON: E uma última pergunta, embaixador, a gente estava falando aqui dos impactos no Brasil. A própria Floresta Amazônica, que vai ser o grande palco dessa conferência entre 2023 e 2024 experienciou inclusive, um aumento de temperatura de 2°C acima da média mundial, além de ondas de calor secas que devastaram a região. Incêndios como que a visibilidade que a COP30 pretende dar para a Amazônia pode contribuir para interromper essa trajetória trágica no sentido de legado após a conferência, o que você gostaria de ver como legado para a região?
ACL: Eu acho que nós temos no Brasil um acúmulo de percepções equivocadas com relação à Amazônia. Muitos erros foram cometidos, alguns até muito bem intencionados, mas a verdade é que muitos erros foram cometidos. Nós queremos levar para a COP30 uma visão nova brasileira com relação à Amazônia, que é realmente um projeto de desenvolvimento que leva em consideração as características excepcionais da Amazônia, mas também uma distinção muito clara para os mais diversos atores de que você tem temas muito diferentes. Não se pode simplificar a Amazônia, e a questão da preservação, que é extremamente importante, a conservação das florestas. A questão de nós conseguirmos continuar a controlar o desmatamento, que é muito importante também, mas também a restauração. Há uma perspectiva extraordinária de você, de certa forma, corrigir alguns erros que já foram feitos em matéria de emissões através de restauração de florestas tropicais. Então, a floresta vai ser um tema muito importante da COP e nós pretendemos trazer a ideia de que as florestas são muito mais soluções do que problemas para o combate à mudança do clima. E isso, evidentemente, vai exigir que todos nós mudemos um pouco a nossa percepção. Eu acho que todos nós temos opiniões sobre a Amazônia, sobre, inclusive, às vezes idealizando ou ao contrário, com um pessimismo exagerado. Eu acho que nós vamos ter que fazer um esforço de aceitar as novas informações sobre a Amazônia e os novos conhecimentos e ouvir também os conhecimentos tradicionais e conseguir chegar a algo que seja um equilíbrio para uma região que agora, com a mudança do clima, adquiriu uma dimensão muito maior ainda do que apenas, não podemos ter apenas uma visão romântica da floresta. A floresta tem um papel no combate à mudança do clima absolutamente central.
ON: Alguma mensagem final? Gostaria de deixar algum ponto que o senhor não abordou?
ACL: Eu acho que é muito importante a participação de todos na preparação da COP 30. Ou seja, todos nós estamos sendo afetados pela mudança do clima e todos nós estamos aprendendo. Ninguém seguiu o caminho certo até agora. Ou seja, os países desenvolvidos se desenvolveram. Alegam que eram inconscientes da questão do clima, mas a verdade é que não existe um modelo correto de desenvolvimento. Existem muitos modelos incorretos e nós temos que aprender juntos, porque ainda dá tempo. Se a gente levar em consideração a ciência e se a gente levar em consideração também, eu acho a contribuição positiva humana que pode ajustar certas trajetórias que foram em direções, infelizmente, muito erradas.
Fonte: ONU News (ON)