Amazônia tem quase metade dos conflitos no campo no Brasil em 2023; Pará é o estado mais violento, diz CPT

Número de conflitos é o terceiro maior da série histórica. Pará lidera índices de conflitos por terra, por água, trabalho escravo e casos envolvendo crédito de carbono.

A Amazônia Legal é responsável por 47% dos 2.203 conflitos no campo registrados no Brasil em 2023, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Foram 1.034 – número é apontado como o terceiro maior dentre os anos da série histórica.

O Pará lidera o ranking de ocorrências e é apontado como o estado mais violento da região, com 226 casos; seguido do Maranhão, com 206 e Rondônia, com 186. A região Norte

A região Norte também foi a que mais registrou conflitos, com 810 ocorrências, segundo o relatório.

As principais vítimas de conflitos são:

  • pequenos proprietários (26,4%)
  • indígenas (24,7%)
  • trabalhadoras e trabalhadores sem terra (18%)
  • posseiros (14%)
  • seringueiros (5%)

Já os principais causadores são:

  • fazendeiros (54,4%)
  • grileiros (11,3%)
  • garimpeiros (9,7%)
  • empresários (9%)
  • agentes do governo federal (4,2%)
  • agentes do governo estadual (2,5%)
  • agentes de governo municipal (2,2%)
  • hidrelétricas (2%)

Conflitos por terra

 

O índice de conflitos por terra teve leve recuo na Amazônia – foram 883 conflitos este ano.

O estado do Pará lidera com 183 conflitos afetando 38.597 famílias, seguido do Maranhão (171 registros e 17.074 famílias), Rondônia (162 casos e 9.573 famílias atingidas), Amazonas (86 registros e 16.805 famílias) e Acre (84 registros, atingindo 8.656 famílias).

No Pará, as Terras Indígenas Munduruku, onde habitam 1.630 famílias, e Kayapó, com 1.137 famílias, estão entre as impactadas pelos conflitos por terra no estado.

Conflitos por água

 

Os conflitos por água levantados pela CPT mostram os casos como o de destruição e/ou poluição de rios, por exemplo – foram 35 casos na Amazônia, atingindo mais de 12 mil famílias. O Pará foi o que teve mais registros: 8,5 mil.

Trabalho escravo

 

Pará também lidera o ranking do trabalho escravo. Foram 54 ocorrências, com 250 vítimas resgatadas em toda a região amazônica. No Pará, foram 21 casos e 247 resgatados.

O relatório da CPT aponta que as atividades onde há mais casos são:

  • desmatamento para plantio da soja,
  • carvoarias,
  • garimpo.

 

Créditos de Carbono

 

O levantamento da CPT aponta que 22 comunidades no Brasil estiveram envolvidas em conflitos agrários relacionados a projetos de carbono.

O Pará lidera tanto em número de comunidades afetadas, 12, quanto em área total, cerca de 6,9 milhões de hectares.

No estado, sete localidades são no Marajó, a mesorregião do país mais citada nas pesquisas.

O município de Portel é o município marajoara mais procurado pelo mercado de crédito de carbono, com projetos de carbono articulados há pelo menos quinze anos e que somam 714.085 hectares, abrangendo florestas em terras públicas. A soma dos valores dos contratos aponta para US$ 115 milhões.

Fraude na Amazônia: empresas usam terras públicas como se fossem particulares para vender créditos de carbono a multinacionail.

O que diz o governo

 

Sobre os dados, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria de Acesso à Justiça (Saju), disse em nota que “tem acompanhado e se dedicado ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas para promover o acesso ao sistema de justiça para populações mais vulneráveis, bem como de reduzir a litigiosidade e prevenindo conflitos fundiários rurais e urbanos no país”.

“Alinhada com as agendas institucionais referentes à temática, a Saju/MJSP esteve presente no lançamento do Caderno de Conflitos no Campo 2023, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no dia 22 de maio, em Brasília (DF).

Em 2023, por meio da Saju, o MJSP destinou recursos para projetos que corroboram para o levantamento de dados e atuação nas áreas de conflitos no campo. São eles:

Pesquisa “Memória dos Massacres no Campo” – em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e em cooperação com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o projeto tem como objetivo resgatar memórias dos Massacres no Campo, a partir do levantamento documental dos processos e investigações e construção de acervo audiovisual de casos identificados no período de 1985 a 2023.

Clínica Multivercidades – projeto voltado a ações de prevenção a conflitos e diagnóstico territorial, com a formação de 800 estudantes de graduação em disciplinas específicas, 16 profissionais residentes (prioritariamente indígenas e quilombolas), formação técnica para 156 facilitadores comunitários e a realização de 78 mutirões nos municípios selecionados, em alinhamento com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI. A inciativa tem parceria com a Universidade Federal do Pará, em coordenação com as demais 9 universidades da Amazônia Legal (UFOPA, UFAM, UFMT, UFMA, UFT, UFRR, UNIR, UFAC, UNIFAP)”.

Sobre o relatório

Relatório aponta conflitos agrários no Brasil. — Foto: Reprodução/TV Mirante

Elaborado há quase quatro décadas pela CPT, o “Conflitos no Campo Brasil” é fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais.

A publicação é feita a partir do trabalho de agentes pastorais, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais pelo país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc).

Uma programação no Pará marca o lançamento do relatório nesta sexta-feira (10) na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Norte 2), na travessa Barão do Triunfo, em Belém.

Confira a programação completa:

  • Manhã
    8h – Recepção dos convidados e café da manhã
    9h às 11h30min – Abertura do lançamento e apresentação dos dados do caderno Conflitos no Campo 2023.
  • Tarde
    14h às 17h – Roda de conversa – Defensoras de Defensores de Direitos Humanos em Assuntos Ambientais » co-realizado pelo Fundo Casa Socioambiental, Comissão Pastoral da Terra Regional Pará e o Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA)

 

Assista ao vídeo:

Segundo a CPT, a Amazônia responde por:

  • 65% das ameaças de expulsão
  • 63% das contaminações por agrotóxico
  • 78% dos desmatamentos ilegais
  • 88% das expulsões
  • 82% das grilagens
  • 83% das invasões

Apropriação de bens naturais

Lar da maior reserva de água doce do mundo, a região Norte do país teve um aumento de 18% nos conflitos pela água. O número de famílias prejudicadas por esses episódios aumentou 54%. As comparações são com dados do ano passado.

“Dentro dessas áreas a gente tem observado um aumento muito grande sobre os territórios, sempre nessa perspectiva de apropriação dos bens naturais. São atividades como garimpo e ainda, infelizmente, muita atividade ilegal relacionada à exploração madeireira, sobretudo nessa áreas de terras indígenas e áreas de conservação que são as áreas mais conservadas do Brasil”, afirma Andréia Silvério, da Comissão Pastoral da Terra.

Os principais operadores da violência são agentes privados, como fazendeiros, agromilícias e grupos de pistoleiros que atuam sob encomenda. A CPT observa que tem crescido o avanço sobre espaços protegidos por lei, como territórios indígenas, unidades de conservação, terras quilombolas e áreas de reforma agrária.

Golpe inaugurou período de violência no campo

“O ano de 2021 reafirma uma tendência que a CPT vem registrando pelo menos desde 2015 e 2016, quando aconteceu essa ruptura política no Brasil. Desde esse período, nós temos registrado aumento com relação ao número de conflitos e com relação ao número de famílias envolvidas nesses conflitos”, explica Silvério.

Em dados parciais de 2022, a CPT já registra 14 assassinatos em conflitos no campo, a maioria no estado do Pará. Silvério aponta o abandono das políticas de reforma agrária por parte do governo federal como um estopim da violência.

“Há um abandono absoluto da política de reforma agrária como ela foi pensada a partir da constituição de 1988. A reforma agrária no Brasil, de fato, nunca foi feita. Mas essa política, que minimamente possibilita a distribuição de terras e o atendimento das demandas dessas comunidades, foi abandonada nos últimos anos”, denuncia.

G1

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