Deputados do agro defendem fim da Moratória da Soja, que impede indústria de comprar grãos produzidos em área desmatada
Uma audiência pública na comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, nesta sexta-feira (12), revelou que setores do agronegócio querem acabar com a Moratória da Soja, um acordo que visa eliminar o desmatamento da cadeia de produção de soja no Brasil. A Moratória da Soja foi definida por meio de acordo entre organizações da sociedade civil, o governo federal e parte da indústria que utiliza o grão como matéria-prima.
“Vamos derrubar a Moratória da Soja no Brasil”, apostou a deputada Coronel Fernanda (PL-MT), autora do pedido de realização da audiência.
A Moratória da Soja foi firmada pela primeira vez em 2006 pelas associações industriais que controlavam, à época, mais de 90% do mercado de soja no Brasil, além de organizações da sociedade civil. O acordo estabelece o compromisso das empresas signatárias de não adquirirem soja produzida em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008, ano em que o governo brasileiro aderiu ao pacto. Inicialmente, tinha validade de dois anos, mas passou a ser renovado de forma indefinida a partir de 2016.
A partir do acordo, as propriedades rurais localizadas em municípios com mais de 5 mil hectares de plantação de soja são monitoradas via satélite pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), uma ação gerida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O monitoramento busca identificar se há ampliação de área desmatada para lavoura acima do limite estabelecido pelo Código Florestal (CF), que é de 20% do imóvel rural.
O principal argumento contrário ao instrumento é o impacto negativo no desenvolvimento dos municípios produtores do grão, dada a restrição de desmatamento no bioma amazônico para a ampliação do cultivo.
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO), presente na audiência, disse que “é custoso” manter 80% da floresta em pé. E declarou que convocará a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para dar explicações ao Congresso sobre o pacto.
O vice-presidente do Sindicato Rural de Santarém (PA), Marcelo Lara, disse que o Brasil tem um dos códigos florestais “mais restritivos do mundo”. E afirmou que “tanto embargo, tanta fiscalização obriga o produtor a fazer de forma ilegal”.
Ataque às ONGs
Em diversos momentos, a deputada Coronel Fernanda e outros participantes fizeram críticas duras às organizações não governamentais (ONGs) que lidam com a pauta ambiental. Sem citar nomes, ela disse que as organizações foram convidadas a participar da audiência, mas negaram o convite.
O Greenpeace Brasil e o WWF-Brasil, representantes da sociedade civil no Grupo de Trabalho da Soja e do Comitê Gestor da Moratória, divulgaram nota em que confirmam terem sido convidados para participar da audiência pública, “mas recusaram o convite devido ao ambiente hostil e de intimidação às organizações não governamentais”.
Segundo as organizações, a “audiência foi articulada por parlamentares e produtores de soja que visam o afrouxamento ou o fim das restrições previstas na Moratória – um acordo voluntário firmado desde 2006 pelas empresas comercializadoras de soja, diante da demanda de consumidores europeus – para eliminar o desmatamento da cadeia de produção da soja no bioma Amazônia”.
“Enquanto os municípios monitorados pela Moratória tiveram uma redução de 69% no desmatamento (entre 2009 e 2022), a área plantada de soja no bioma Amazônia cresceu 344%. Neste mesmo período, o Brasil se tornou o maior exportador de soja no mundo e é responsável por mais de um terço do grão produzido globalmente. Tais dados demonstram que é possível crescer com compromissos ambientais firmes”, diz trecho da resposta conjunta enviada pelo Greenpeace Brasil e WWF-Brasil à comissão da Câmara e que não foi sequer mencionada na audiência.
A Coronel Fernanda afirmou que pretende recolher assinaturas para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação das organizações não governamentais.
“Eu vou já propor, senadores, uma CPI mista para investigar essas ONGs. Se elas não tiveram coragem de vir aqui de forma voluntária, numa CPI, vão ser obrigadas a vir e prestar esclarecimentos. Elas vão ter que vir aqui explicar. O Banco do Brasil vai ter que vir explicar aqui para nós também, por que eles estão usando dinheiro público a mando de ONGs”, declarou a parlamentar.
Sobre esse aspecto, o Greenpeace Brasil diz lamentar “a evidente tentativa de criminalização da atuação de ONGs por meio de uma CPI”.
Propostas de mudanças na moratória
André Nassar, representante da Associação Brasileira de Produtores de Óleos Vegetais (Abiove), que é signatária do acordo, apresentou uma série de propostas de “aprimoramento” do atual acordo sobre a moratória. As medidas influem a atualização mensal das divulgações, que atualmente é feita a cada três meses, a garantia de uma maior participação dos produtores nos acordos, a partir do ingresso da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) no Grupo de Trabalho, assim como o estabelecimento de um protocolo para a fiscalização e aplicação das regras do Código Florestal.
Em diversos momentos, Nassar alertou aos presentes que inclusive essas modificações terão impactos sobre os mercados consumidores. “Para trazer o que a gente trouxe aqui, a gente fez toda uma análise do impacto que acabar com a moratória poderia gerar na soja brasileira lá fora, e nós estamos convencidos que, se a gente acabar com a moratória, nós vamos ter boicote à soja brasileira lá fora”, disse.
As propostas do representante da Abiove irritaram a deputada Coronel Fernanda, que chegou a dizer, em dado momento, que “queria bater” no representante da indústria, reclamou da apresentação do convidado e seguiu advogando pelo fim da moratória. Já o representante da Aprosoja, Lucas Costa Beber, também rejeitou as propostas e afirmou que a associação vai trabalhar pela “extinção da moratória da soja”.
O Greenpeace não respondeu aos nossos questionamentos sobre as propostas de mudança no acordo, apresentadas por André Nassar.
A assessoria de imprensa do Banco do Brasil enviou nota ao Brasil de Fato em que afirma que “o BB toma medidas proativas e voluntárias que observam todas as legislações e regulamentações sobre o tema”. A nota diz, ainda, que as políticas do banco “seguem critérios socioambientais na análise” e que a instituição “possui processo automatizado, com uso de soluções analíticas que verificam se a área a ser financiada possui restrições legais ou vedações normativas, utilizando bases públicas restritivas”.
A reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para comentar as menções feitas sobre a pasta e a ministra Marina Silva, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para ouvir as fontes procuradas.
Fonte: Brasil de Fato