Por Roberto Kuppê (*)
Ao longo de 2020 a 2024, Rondônia se tornou palco de um intenso embate jurídico envolvendo normas ambientais estaduais.
Decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) derrubaram inúmeras leis e consideradas inconstitucionais, evidenciando uma crescente investida do próprio Governo do Estado de Rondônia atuando contra a proteção ambiental na região amazônica.
A atual gestão da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) e o Governo Marcos Rocha entram para a história como os maiores produtores de normas inconstitucionais da história jurídica de Rondônia.
Esta investigação apresenta as principais decisões judiciais, suas implicações e o impacto no cenário político-ambiental.
2020: O início de uma década de conflitos
A década começou com Rondônia sob os holofotes nacionais e internacionais devido ao aumento do desmatamento na Amazônia.
Leis e decretos estaduais surgiram para flexibilizar o licenciamento ambiental e promover atividades econômicas, especialmente agropecuárias e minerárias.
A estratégia foi recebida com forte oposição por ambientalistas, especialistas no tema e organizações da sociedade civil.
Uma dessas medidas foi o Decreto Estadual nº 27.565, que, em um movimento controverso, extinguiu a Estação Ecológica Soldado da Borracha, localizada nos municípios de Porto Velho e Cujubim.
Criada para proteger espécies ameaçadas e a biodiversidade local, a estação ecológica foi alvo de interesses de expansão agrícola, o que levou à sua dissolução pelo governo estadual. Esse ato marcou o início de uma série de disputas judiciais.
2021: Flexibilização do Licenciamento Ambiental
Em 2021, o governo de Rondônia aprovou novas regras para o licenciamento ambiental, reduzindo os requisitos para atividades potencialmente degradantes.
Entre as mudanças, foram eliminadas etapas como audiências públicas e estudos de impacto ambiental para empreendimentos de médio porte.
O Ministério Público de Rondônia entrou com ações judiciais para reverter essas alterações.
No mesmo ano, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), argumentando que as mudanças contrariam a Constituição Federal e a Resolução nº 237/1997 do CONAMA.
Essa medida começou a desenhar o cenário para decisões judiciais que ganhariam força nos anos seguintes.
2022: A Lei Estadual nº 5.299 e sua Proibição Contestada
Em 2022, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou a Lei Estadual nº 5.299, que proibia a destruição de bens apreendidos em flagrantes de crimes ambientais, como tratores e motosserras usados em desmatamentos ilegais.
A norma foi amplamente criticada, sendo vista como um incentivo indireto à criminalidade ambiental.
A lei entrou em vigor em um momento em que Rondônia liderava os índices de desmatamento na Amazônia, com dados do INPE mostrando um aumento significativo nas taxas de destruição florestal.
A fiscalização tornou-se mais difícil, já que os órgãos ambientais ficaram impedidos de inutilizar equipamentos apreendidos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu ações questionando a constitucionalidade da norma, com alegações de que ela interferia na competência federal e comprometia a eficácia das medidas contra crimes ambientais.
2023: Decisões do STF Reafirmam a Proteção Ambiental
Março de 2023 marcou a queda da Lei Complementar nº 1.089/2021, aprovada dois anos antes, declarada inconstitucional pelo STF.
A lei reduzia significativamente os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará-Mirim, permitindo a regularização de propriedades rurais ocupadas ilegalmente.
Relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso apontou que a norma violava o princípio da vedação ao retrocesso ambiental.
Barroso enfatizou que reduzir unidades de conservação sem justificativa técnica compromete a biodiversidade e o equilíbrio climático, afetando não só Rondônia, mas todo o Brasil e o mundo. A decisão também foi fundamentada em compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção sobre Diversidade Biológica.
Além disso, em fevereiro de 2023, o STF julgou inconstitucional a Lei Estadual nº 5.299. O ministro Gilmar Mendes afirmou que a norma desrespeitava a competência legislativa exclusiva da União e inviabilizava a aplicação de medidas efetivas contra crimes ambientais.
A decisão foi unânime e reafirmou que o combate ao desmatamento exige a integração de esforços entre União, estados e municípios.
2024: O Tribunal de Justiça de Rondônia barra retrocessos de Marcos Rocha
Em 2024, o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) assumiu protagonismo ao julgar o Decreto Estadual nº 27.565.
A decisão de extinguir a Estação Ecológica Soldado da Borracha foi declarada inconstitucional, marcando uma vitória histórica para a preservação ambiental.
O TJ-RO baseou sua decisão no artigo 225 da Constituição Federal, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e na Constituição Estadual, que prevê a criação e proteção de unidades de conservação.
O tribunal também destacou que a extinção da estação representava um retrocesso ambiental, incompatível com o Estado Socioambiental de Direito.
A decisão foi recebida como uma barreira contra iniciativas que tentavam flexibilizar a legislação ambiental de Rondônia.
Técnicos da área ambiental e ecológica comemoraram a decisão, afirmando que ela protege a biodiversidade e mantém um equilíbrio essencial na região amazônica.
Conclusão
O período entre 2020 e 2024 será lembrado como um momento decisivo na luta pela proteção ambiental em Rondônia.
Em meio a interesses econômicos, pressões políticas e crises climáticas globais, as decisões judiciais reafirmaram a centralidade do meio ambiente na Constituição brasileira.
O Ministério Público e o Judiciário continuam a atuar como guardiões da Amazônia, barrando ilegalidades e inconstitucionalidades como nunca vistas antes.
O futuro de Rondônia depende de políticas públicas que conciliem desenvolvimento sustentável com preservação ambiental, evitando novos retrocessos e ataques à Natureza.
Para isso, interromper a lógica predatória e destrutiva do Governo do Estado de Rondônia e da SEDAM é fundamental.
(*) Roberto Kuppê é jornalista, articulista político e presidente da ONG Patrulha Verde