Investigados e investigadores: Os bastidores da CPI das Reservas Ambientais em Rondônia

Levantamento exclusivo revela que dois dos principais membros da CPI das Reservas Ambientais na ALE-RO enfrentam investigações por corrupção, grilagem e organização criminosa — enquanto conduzem inquérito sobre as próprias áreas que teriam tentado beneficiar.

Porto Velho (RO) — Em meio ao barulho político gerado pela CPI das Reservas Ambientais na Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO), uma constatação chama a atenção: dois dos principais membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, que deveria apurar irregularidades na criação de unidades de conservação no estado, estão ou estiveram na mira da Justiça e do Ministério Público por acusações que envolvem justamente os temas da CPI — corrupção, grilagem de terras e atuação em organizações criminosas.

O presidente da CPI, deputado Alex Redano (Republicanos), é investigado pelo Ministério Público de Rondônia (MP-RO) por suposta participação em uma organização criminosa relacionada às eleições internas da Mesa Diretora da ALE-RO. A denúncia, recebida pelo Tribunal de Justiça do Estado, sugere que Redano participou de uma articulação ilegal para interferir no processo de escolha da cúpula legislativa entre 2019 e 2022. O caso tramita sob sigilo, mas foi confirmado em nota pública emitida pelo próprio deputado.

Já o vice-presidente da CPI, deputado Jean Oliveira (MDB), possui um histórico ainda mais controverso. Condenado em dezembro de 2024 pelo crime de corrupção passiva no âmbito da Operação Termópilas, Jean Oliveira foi apontado como beneficiário de vantagens indevidas em troca de apoio político na Assembleia. À época, as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público expuseram um amplo esquema de corrupção liderado pelo ex-deputado Valter Araújo.

Mas a ligação de Jean com crimes ambientais vai além. Segundo denúncia do MP e da PF na Operação Feldberg, de 2019, o parlamentar também seria integrante de um esquema de grilagem de terras e falsificação de documentos públicos, com foco em apropriação ilícita de áreas protegidas, incluindo 64 mil hectares na Reserva Extrativista Rio Pacaás Novos, em Guajará-Mirim. O modus operandi envolvia falsificação de documentos de posse e uma sofisticada engenharia jurídica para burlar o sistema de compensações ambientais, utilizando-se, inclusive, da doação fraudulenta de terras dentro de UCs para fins de obtenção de ativos ambientais junto ao Estado.

O relatório da Operação Feldberg sugere que o grupo — do qual Jean Oliveira é apontado como um dos líderes — teria operado com ramificações no cartório, na política e no setor privado. A ironia, que beira a contradição institucional, é que hoje Jean ocupa assento na CPI responsável por investigar a legalidade da criação dessas mesmas unidades de conservação.

Silêncio e escudo institucional

A reportagem tentou contato com os deputados citados, mas até o fechamento desta edição, não houve retorno de suas assessorias. Nos bastidores da Assembleia, no entanto, analistas, especialistas em política ambiental e sociólogos ouvidos sob anonimato reconhecem o “conflito de interesses latente” que paira sobre os trabalhos da CPI. “É como colocar o lobo para investigar o sumiço das ovelhas”, afirmou um dos deputados.

Já o relator da comissão, Pedro Fernandes (PRD), não figura em investigações criminais ou cíveis, e mantém uma trajetória política relativamente discreta. O mesmo ocorre com Cirone Deiró (União Brasil), membro da CPI, cujo histórico de atuação é focado principalmente na defesa do agronegócio e dos produtores rurais, sem registros públicos de investigações criminais.

Um jogo maior: grilagem, desmonte ambiental e CPI como instrumento

Especialistas em política ambiental ouvidos pela reportagem apontam que a CPI das Reservas Ambientais pode ter objetivos menos republicanos do que seu nome sugere.

“Há um processo coordenado de desmonte das garantias territoriais e dos direitos ambientais em Rondônia, e a CPI parece servir, na prática, como instrumento de criminalização de políticas públicas de proteção ambiental”, afirma um pesquisador da Universidade Federal de Rondônia, que também pediu anonimato por temer retaliações.

A análise se torna ainda mais sensível diante do histórico das áreas investigadas pela CPI — muitas delas foram criadas ou regularizadas como forma de conter o avanço do desmatamento e da grilagem em regiões de extrema pressão fundiária, como o entorno da BR-364 e da fronteira com o Acre.

A pergunta que não quer calar

Diante do exposto, paira a pergunta: como podem parlamentares sob investigação por crimes como corrupção e grilagem conduzir uma comissão que se propõe a investigar a regularidade de reservas ambientais que eles próprios ou seus aliados tentaram desmontar?

A resposta, até o momento, não veio da Assembleia Legislativa nem das autoridades estaduais. A reportagem tentou falar com as partes envolvidas, porém, sem sucesso.

Mas o caso de Rondônia lança um alerta nacional: a utilização de CPIs como instrumentos de vingança política, desregulamentação ambiental e escudo para agentes públicos com interesses próprios.

Em tempos de retrocesso ambiental e crescente pressão sobre os territórios indígenas, quilombolas e extrativistas, a CPI das Reservas Ambientais se desenha menos como uma ferramenta de apuração e mais como um sintoma do avanço das forças que desejam fragilizar o que resta de proteção ambiental na Amazônia brasileira.

Fontes citadas:

Nota de esclarecimento de Alex Redano – Tudo Rondônia

Jean Oliveira condenado por corrupção passiva – Jornal Rondônia

Operação Feldberg e esquema de grilagem – Portal O Fato

Referências:

TUDORONDÔNIA. Nota de esclarecimento do deputado estadual Alex Redano. Disponível em:

https://www.tudorondonia.com/noticias/nota-de-esclarecimento-do-deputado-estadual-alex-redano,116447.shtml.  Acesso em: 19 abr. 2025.

JORNAL RONDÔNIA. Deputado Jean Oliveira é condenado por corrupção e pode perder o mandato em Rondônia. Disponível em:https://jornalrondonia.com.br/justica/deputado-jean-oliveira-e-condenado-por-corrupcao-e-pode-perder-o-mandato-em-rondonia/  Acesso em: 19 abr. 2025.

PORTAL O FATO. Prisão do ex-deputado Carlão Oliveira reacende holofotes para suposto esquema de corrupção do filho, Jean Oliveira.  Disponível em: https://portalofato.com.br/2025/03/01/prisao-do-ex-deputado-carlao-oliveira-reacende-holofotes-para-suposto-esquema-de-corrupcao-do-filho-jean-oliveira/

 

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